balada para Gabriela

foto de Georgina Noronha

Ergue-me um mundo novo, Gabriela, que eu já vou morrendo neste por ti, a alfinetar desgostos e frustrações nas frinchas que as paredes à minha volta vão abrindo, solícitas, pacientes e acolhedoras dos tremores com que vivo.

Vem um vento, manso e quase morno, desarticulando-te o penteado em suavidade, e eu desperto ronronando como felino, num espreguiçar atento ao movimento perfumado da tua melena. 

Eu, que queria morar nos teus lábios como quem encolhe o rosto numa ternura infantil, amordaçado continuo sobrevivendo nos sonhos onde supostamente me pertences, embora em redoma e inalcançável como os santos a quem se reza por mistério. Desvias o arrepio da tua pele sensível à primavera imberbe da polpa dos meus dedos, tão desnivelada quanto ao que sinto, que me questiono se é na mesma latitude que nos vemos, ou se serás espectral aparência de quem tanto deseja. 

Poderia simplesmente dizer-te o que quantos amantes dizem às suas amadas em afã epistolar. Mas por onde vai o mundo, Gabriela, que enredo possível para que pudesse sentir a tua mão cruzada na minha, como os amantes e suas amadas fazem? Fiquei a duvidar - confesso que duvido sempre - por segundos, mas ainda fui capaz de te chegar com um sorriso atrelado a uma esperança muito pequena e – bem sei, Gabriela – insignificante. Desse sorriso, porém, não te abala a lembrança, encostada que segues sempre na distracção por todos os cenários possíveis da nossa eventual trágico-comédia a roçar o mau gosto do cinema romântico nascido em hollywood. 

E, apesar de tudo, e de tanto isso que fazes e insinuas que me põe a tremer como varas perdidas de insegurança, apesar de estar de costas para a verdade, se me abrisses assim os braços como ao mundo os abres, e devolvesses a luz de um olhar mais cúmplice, poderia então jurar-te, Gabriela, que venceria o mundo por ti.

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