em que pensas quando mordes o veludo da romã?




«em que pensas quando mordes o veludo da romã?»
                                                                (Anabela Maria)

No prolongamento do que te aflige esta noite: vieram as horas a inclinar o sol muito antes que a azáfama do dia terminasse parecendo que a madrugada pudesse nascer antes que os vizinhos sossegassem. E eu ausente, parte incerta de ti numa geografia abstracta

(eu com sede),

ausente do copo, do prato, dos talheres, da cadeira e da mesa, depois do sofá, da chávena do café, da ternura da média-luz frente à televisão muda. Ausente de um cigarro partilhado na janela.

Ausente do desfolhar de um livro, da almofada, dos lençóis. Da tua boca, das gargalhadas, do olhar quieto e demorado, do toque. Ausente dos teus dedos em mim como se me descobrisses a primeira vez, de quando te deitas delicada a exalar o hálito das flores enquanto a noite se adensa de nevoeiro

(eu com sede e fome),

e um arrepiar do teu púbis pulsando de hesitação e apelo, e a fonte aberta dos teus mamilos.

E por cada semente, ooooh, por cada semente que mordo da romã: os teus lábios que se aproximam, inflamam, a maciez da pele no caminho da minha saliva, o tremer dos joelhos, o abraço das tuas pernas no meu dorso, tu implorando com gemidos Vem, e eu mergulhando em ti, numa dissolução perfeita de mim no teu mosto, muito devagarinho, a colher o suco carmim e açucarado da tua língua. O teu beijo. O teu rosto gritando sem voz, apenas o olhar implorativo, cativo de súplica

(eu com tanta sede e guloso da fome do teu corpo).

Dentro de ti. Penso-me dentro de ti quando mordo o veludo da romã.

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