gestos da primavera em mim

foto de Georgina Noronha

Deixei que o tempo se esgotasse sem levar de ti um afago que servisse de consolo a estes dias que passarei sem ter a oportunidade de te ver. Tu alimentas-me de sol o rosto apenas com o olhar, neste março que nasce mansinho e tímido, imprudente a concordar com a brisa que se faz ainda de golpes gelados afectando o conforto dos corpos e entorpecendo os movimentos dos membros. Basta-me, por isso, a doçura com que todos os dias me aqueces com os olhos postos em mim a lamber carícias para ficar indiferente aos enganos e desenganos climatéricos, e me sinta estival como se o odor da terra quente de junho agora.

Tudo cresce já em volta, sinalizando a decadência do inverno que, mesmo a dias de nos deixar, insiste em geadas escarninhas, nevões impostores e chuvadas mesquinhas. Mas em março as águas são mais claras sem sombrear o verdecer dos prados e das árvores, e os dias ganhando minutos empurram a penumbra do que ficou lá atrás, despindo as noites de solidões para lhes dar ânimo e agitação. Pode ser que então o afago não resgatado que hoje choro venha a ser a migalha dos abraços vindouros, do desfile de beijos prometidos, do entrelaçar ternurento dos dedos, da volúpia desenfreada dos músculos. 

Até lá deixo-te muda e atarantada com os modos, os sinais e os comportamentos que admito possam embaraçar-te, desprevenida. Aprenderás a não temer ou desconfiar da natureza do que sinto por ti: quando enfim conquistada, notarás no teu coração e no desejo do teu corpo que tudo isto, meu amor, são tão só os gestos da primavera em mim.

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